quinta-feira, 10 de julho de 2014

Relato sobre Ontem

Tá chovendo. Tá frio.
E eu queria contar uma história.
Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Mas vou contar mesmo assim. É sobre ontem.

Ontem, decidi sair pra almoçar bem na hora da chuva. Pedi um guarda-chuva emprestado, difícil de manusear, bem grande e desengonçado, mas útil. 
Saí feliz, cantando na chuva. (talvez essa parte não seja necessariamente verdade.)
Fui em direção ao mercado, me desviando das poças e goteiras...
Observei uma senhorinha do outro lado, com uma bengalinha...Já meio corcunda, andando com dificuldade na chuva. Parando vez ou outra pra olhar onde pisava.
Passei por ela. 
Depois decidi voltar, ofereci uma carona em meu guarda-chuva:

-Quer uma carona na minha sombrinha? Pra onde a senhora vai?
-Oi fia, vou ali na casa do material de construção.
-Acho que não tem uma por aqui, será que tem?
-Tem sim, sempre teve.
Nesse momento perguntei para um senhorzinho aleatório na rua que me disse que estava fechada, afinal era feriado. (feriado no estado de SP)
A senhorinha ficou inconformada. Não lembrava que era feriado. Mas continuamos a andar.

E eu:
-E agora? Pra onde a senhora vai, na chuva?
-Vou pra casa fia, vou pegar o ônibus ali perto da igreja. Fica tudo tão ruim quando a gente não enxerga bem, né? 
-O que a senhora tem? Catarata?
-Catarata e glaucoma. Tudo junto. E deste olho esquerdo eu já estou cega. Mas não estou cega por causa de Deus, Deus é muito bom. Tô cega por causa do hospital, do médico. Cheguei lá no dia da cirurgia e o médico me disse que todos os equipamentos tinham sido roubados, mas que se eu quisesse podia fazer a cirurgia na clínica com ele, por um valor bem caro. Ele só queria meu dinheiro!!! Mas entreguei na mão de Deus.
-Mas o que senhora veio fazer aqui no Extra sozinha?
-Vim comprar tinta pra meu cabelo, tá começando a ficar branco, tá vendo?
-Hahaha, que legal! Vaidosa a senhora, hein?
-É né fia? Tem que ser.- e riu.
-Mas não é perigoso a senhora sair sozinha, sem enxergar direitinho? Não tem ninguém pra te acompanhar?
-Tenho quatro filhos-suspiro profundo- e minha única filha Deus levou.
Então, ela começou a chorar copiosamente. Parou. Limpou os olhos.
E contou que, a filha dela tinha 55 anos quando descobriu que tinha câncer de mama, e não deu tempo de completar 56 anos. O câncer a levou.
Eu fiquei ali, segurando o guarda-chuva. Sem reação. Enquanto ela se recompunha.
Tentei:
-Puxa vida, sinto muito!
-Verdade fia. Deus sabe o que faz.- como que dizendo que a vida continua.
De repente ela se recompôs, apoiou no meu braço, desceu a rampinha, e viu a Lojas Americanas e decidiu que precisava comprar fita adesiva pra colar umas caixas.
Disse que desejava que Deus me abençoasse muito. E pronto. Entrou na loja. E eu segui meu caminho.

ISTOCKPHOTO/THINKSTOCK
Sinto que desta história preciso tirar uma lição de vida.
Que seja amanhã. Que seja daqui a pouco.
Talvez nunca mais a veja.
Só que reflito e concluo que preciso aprender a ser menos ingrata, e deixar de atribuir a Deus a falta de sucesso de alguns de meus projetos.
Que eu aprenda que traumas em geral e dificuldades que enfrento, são motivos sim pra que eu desista de fazer certas coisas, e desista de ver pessoas e sair nas ruas quem sabe...Não vou minimizá-los.

Mas...

Mas eu posso DECIDIR seguir em frente. Posso decidir lembrar com tristeza do que não deu certo e me animar com o fato de que pequenas outras coisas também poderão me trazer alegria. 
Clichê assim. Simples.



Beijos.
Thatá

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